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Como terei certeza que estarei seguro? - O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e a Terapia Comportamental

Confira abaixo o texto do Psicólogo Mestrando Yuri Lelis, a respeito da temática  do transtorno obsessivo compulsivo sob a perspectiva da análise do comportamento:

Como terei certeza que estarei seguro? - O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e a Terapia Comportamental

“Não há certeza absoluta. As pessoas parecem correr os riscos que você evita”, (Wielenska, 2001).

A resposta oferecida por Wielenska (2001) para pergunta do título desse artigo aborda uma característica comportamental comum das pessoas com TOC, a evitação. Essas pessoas estão constantemente tentando evitar um pensamento, ideia, ou imagem recorrentes, intrusivos e desconfortáveis, chamados de obsessões. Essa tentativa de evitar se apresenta na forma de comportamentos repetitivos e/ou ritualísticos, as compulsões, que ocorrem como uma maneira de diminuir ou sanar as obsessões – e então o nome “Transtorno Obsessivo-Compulsivo”. Essa dinâmica estabelecida entre compulsões que diminuam obsessões intrusivas cria um ciclo comportamental frequente, que pode aumentar de duração até que tome um tempo considerável do cotidiano da pessoa, restringindo outros comportamentos e produzindo um alto nível de sofrimento. Também é importante salientar que, geralmente, a pessoa reconhece que as obsessões e compulsões são excessivas e sem razões.

Existem diversos comportamentos que se adequam a um quadro de TOC, resultando em uma extensa gama de variações. Apesar disso, Nutt e Ballenger (2005) sugerem cinco categorias gerais do TOC, que descrevem os seguintes subtipos: a) limpeza, no qual o paciente relata uma obsessão por medo de ser contaminado por sujeira ou germes, e passa um grande período em comportamentos de compulsões como lavar as mãos, tomar banho, limpar a casa e evitando fontes de “contaminação”; b) checagem, no qual o paciente relata obsessões em forma de dúvidas, geralmente relacionadas com culpa, e demonstra compulsões de checagem, com medo de que, se não checar o suficiente, ele e/ou outros serão feridos; c) obsessão pura, o paciente relata pensamentos repetitivos e intrusivos, geralmente somáticos (ex.: preocupação com o corpo), agressivos (ex.: matar ou ferir alguém) ou sexuais (ex.: cenas incestuosas), que são repreensíveis moralmente a ele, e podem levar a compulsões mais sutis, como evitar contato com objetos cortantes ou com pessoas presentes nos pensamentos ; d) lentidão obsessiva, relacionada com a obsessão por executar tarefas ou dispor objetos com extrema precisão, o que resulta em um gasto muito maior de tempo para realizar tarefas cotidianas; e e) acumulação, na qual o paciente se recusa a se desfazer de itens usados, ou até mesmo lixo, acreditando que em algum momento aquele item pode ser importante.

Um dos tratamentos para o TOC é o procedimento de Exposição com Prevenção de Respostas (EPR). A EPR consiste em fazer que o paciente entre em contato com o estímulo ansiogênico (como pensamentos, imagens, objetos ou situações) relacionado à obsessão, sem que posteriormente execute a compulsão que geralmente reduz a ansiedade. A premissa desse procedimento é quebrar o ciclo entre obsessões e compulsões, permitindo que o paciente experencie as sensações provocadas pelas obsessões, sem recorrer ao suposto alívio trazido pela compulsão, favorecendo que as obsessões diminuam de frequência pela própria observação de que o evento temido não vai acontecer. A EPR é indicada com forte eficácia para o tratamento do TOC pela Divisão 12 da Associação Americana de Psicologia, que avalia a eficácia das propostas de psicoterapia.

Apesar da eficácia da EPR na redução de comportamentos relacionados ao TOC, Zamignani (2000) afirma que a aplicação dessa técnica sem uma análise funcional ampla, “pode ocultar o papel de outras variáveis ambientais relevantes” (p. 249). Isso porque outras consequências, além das relacionadas à dinâmica entre obsessões e compulsões, podem influenciar o desenvolvimento e manutenção do TOC, uma vez que esse transtorno se demonstra muito sensível ao contexto social em que ocorre (Silva & De-Farias, 2013; Vernes & Banaco, 2013). Assim, consequências como a esquiva de demandas (ex.: um rapaz afastado do trabalho por causa de compulsões de checagem), a atenção social contingente ao transtorno (ex.: uma esposa que recebe atenção do marido quando realiza um ritual de limpeza) ou então o reforço social do resultado da compulsão (ex.: receber um elogio pela limpeza e organização da casa em um caso de lentidão obsessiva), podem manter a frequência de comportamentos obsessivos-compulsivos elevada.

Considerando essa possibilidade, conclui-se que a simples aplicação de um procedimento de EPR não garante o progresso clínico do caso em relação ao cotidiano geral do paciente. Mais do que focar em reduzir a frequência de obsessões e compulsões, cabe ao terapeuta levantar informações que permitam compreender qual é o papel do TOC na vida do paciente, e quais comportamentos precisam ser desenvolvidos para que se possibilite um enfrentamento mais eficaz das dificuldades encontradas nas interações, para a partir de então, propor intervenções compatíveis com o caso trabalhado. Como apontado por Guilhardi (2004), “o terapeuta, antes de propor qualquer ação terapêutica, deve ficar sob controle dos excessos, dos déficits e das reservas comportamentais do cliente, não sob controle exclusivo da queixa” (p. 4).

Então, o tratamento do TOC se apresenta como um desafio complexo e extenso, não se reduzindo ao uso de técnicas de exposição, e demandando uma análise detalhada das condições de vida e do repertório da pessoa a ser atendida. Nesse trabalho, instrumentos como a relação terapêutica (Wielenska, 2001) e as indicações da Terapia de Aceitação e Compromisso (Silva & De-Farias, 2013) podem ser fundamentais no curso do processo clínico, e no desenvolvimento de um repertório mais adequado e com menos prejuízos implicados, além da análise funcional, característica da Terapia Comportamental.

Referências

Guilhardi, H. J. (2004). Terapia de contingências de reforçamento. In De Abreu, C. N., & Guilhardi, H. J. (orgs). Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental-Práticas Clínicas. Editora Roca.

Nutt, D., & Ballenger, J. (2005). Anxiety disorders: generalized anxiety disorder, obsessive-compulsive disorder and post-traumatic stress disorder. EUA: Lundbeck Institute.

Silva, J. L. N., & de-Farias, A. K. C. R. (2013). Análises funcionais molares associadas à Terapia de Aceitação e Compromisso em um caso de transtorno obsessivo-compulsivo. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 15(3), 37-56.

Vermes, J. S., & Banaco, R. A. (2013). The study of some functional relations involved in the obsessive-compulsive behaviors. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 15(2), 18-34.

Wielenska, R. C. (2001). Terapia comportamental do transtorno obsessivo-compulsivo. Revista Brasileira de Psiquiatria, 23(2), 62-64.

Zamignani, D. R. (2000). Uma tentativa de entendimento do comportamento obsessivo-compulsivo: Algumas variáveis negligenciadas. Em R. C. Wielenska (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 6. Questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas em outros contextos (pp. 256-266). Santo André: ESETec.

Confira também o texto em PDF:

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