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Depressão pode ser um pródromo de demência.

Uma nova pesquisa associa o aumento gradual de sintomas depressivos a um risco aumentado de desenvolvimento de demência, em oposição a sintomas mais estáveis.

Um estudo longitudinal conduzido por pesquisadores do Erasmus Medical Center,em Rotterdam, Holanda, mostrou que o risco de demência diferiu com diferentes evoluções da depressão, de forma que indivíduos com sintomas depressivos que se agravaram ao longo do tempo tiveram maior chance de desenvolver demência. Esse achado, observam os pesquisadores, sugere que a depressão pode ser um pródromo da demência.

"Ao realizar medidas repetidas dos sintomas depressivos ao longo de um período de 11 anos, nosso estudo é o primeiro, até onde sabemos, a avaliar o curso da depressão em relação ao risco de demência", escrevem os autores, liderados pelo Dr. M. Arfan Ikram.

Os achados foram publicados na edição de julho do Lancet Psychiatry.

De acordo com os pesquisadores, a relação entre sintomas depressivos no final da vida e a incidência de demência tem sido extensivamente estudada, mas a relação tem sido avaliada tipicamente em um único ponto no tempo.

"Essa abordagem negligencia o curso da depressão, que, dada sua natureza de remissões e relapsos, pode trazer mais informações sobre a complexa associação entre depressão e demência. Nós medimos repetidamente os sintomas depressivos em uma população de adultos por mais de uma década para estudar o risco subsequente de demência", escrevem.

Para o estudo, o Dr. Ikram e colegas avaliaram dados do Estudo Rotterdam, que incluiu informações sobre sintomas depressivos em uma amostra de indivíduos de 55 anos ou mais na população holandesa ao longo de um período de 11 anos, de 1993 e 2004.

O estudo incluiu 3325 participantes. A idade mediana dos participantes foi de 74 anos; 60% eram mulheres; e 434 participantes desenvolveram demência.

Os pacientes foram categorizados de acordo com uma de cinco trajetórias de sintomas depressivos, determinados com base na pontuação da versão holandesa da Center for Epidemiology Depression Scale (CES-D). Os pacientes foram categorizados como tendo pontuações baixas e estáveis; pontuações moderadamente elevadas mas que decresceram; pontuações inicialmente baixas, mas que aumentaram, e então diminuíram; pontuações inicialmente baixas que aumentaram progressivamente; e pontuações inicialmente elevadas que assim permaneceram.

A associação mais forte com o desenvolvimento de demência foi observada entre pacientes com aumento dos sintomas depressivos, em comparação com pacientes com a trajetória mais branda de sintomas depressivos (razão de risco [RR] 1m42; P = 0,024).

Por outro lado, não foi observada associação com risco de demência em pacientes que tinham um alto grau de sintomas depressivos em um determinado momento, seguido de remissão.

A maior associação observada com o aumento dos sintomas depressivos permaneceu após ajustes que incluíram incidência de acidente vascular encefálico (HR, 1,58; P = 0,004), restrição de doença de Alzheimer como um desfecho (HR, 1,44; P = 0,034), e considerando a mortalidade como um risco em competição (HR, 1,45; P = 0,019).

"Ao medir de forma repetida os sintomas depressivos observamos o aparecimento e o aumento desses sintomas vários anos antes do diagnóstico clínico de demência, provavelmente como parte de um pródromo de demência", observam os autores.

O ajuste para uso de antidepressivos foi associado com uma redução no risco de demência em aproximadamente 10% nos grupos com trajetórias elevadas, em aumento e em redução de sintomas depressivos.

Embora os mecanismos da relação com o uso de antidepressivos não sejam bem compreendidos, os autores observam que as teorias incluem "melhora da capacidade cognitiva de reserva e redução da atividade colinérgica com o uso de antidepressivos a longo prazo, o que aumenta a concentração de beta-amiloide em modelos animais".

Os achados gerais são consistentes com a hipótese de que os sintomas depressivos em pessoas mais velhas podem representar um pródromo ou um estágio inicial de demência, escrevem os autores.

Atualmente, as evidências mais fortes dos mecanismos que relacionam depressão e demência, descritos em uma grande revisão sistemática publicada no British Journal of Psychiatry, em 2013, apontam para fatores de risco vasculares, observa Simone Reppermund, do Departamento de Alterações do Desenvolvimento no Centre for Healthy Brain Ageing, na University of New South Wales em Sydney, Austrália, em um comentário publicado com o estudo.

"Existem evidências para uma relação bidirecional entre doença vascular e depressão no final da vida; achados de alguns estudos dão suporte a uma associação entre depressão e doença vascular subsequente, e outros fornecem evidências de que a doença vascular promove o desenvolvimento de depressão", escreve Simone.

Em estudos, a depressão e a demência têm sido associadas com a interação social e outros fatores de estilo de vida, observa Simone. Ela também indica a importância da diferenciação entre depressão de apresentação tardia e precoce.

Os novos achados "nos levaram um passo mais perto de responder se a depressão é um fator de risco para demência ou vice-versa", acrescenta.

O estudo recebeu fundos do Erasmus Medical Center; ZonMw; Ministério da Educação, Cultura e Ciência da Holanda e Ministério da Saúde, Bem-estar e Esportes. Os autores e Simone declararam não possuirem conflitos de interesse relevantes.

Lancet Psychiatry. 2016;7:593-595, 628-635. Resumo, Comentário

Originalmente publicado por Nancy A. Melville em Medscape