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De luta por direitos à símbolo de feminilidade: o dia Internacional da Mulher deixou de possuir um caráter político?

“Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão.”

Ritta Lee - Pagú

Com o auxílio do verso da música, Pagú, de Rita Lee, é possível fazer uma ligação entre as mulheres que morreram queimadas na fogueira pela inquisição durante a idade média, no período de caça às bruxas, e as primeiras operárias grevistas que morreram em incêndios de industrias têxtis, associadas ao marco histórico do dia da mulher, que viria a ser 8 de março. Existem várias versões de greves realizadas entre os anos 1875 a 1917, algumas verídicas, outras nem tanto. A história que normalmente ouvimos no Brasil é associada ao incêndio de 1911, em Nova Iorque, quando aproximadamente 146 pessoas morreram, delas 125 mulheres.

Apesar das discussões terem seu início logo após os acontecimentos citados acima, foi apenas em 1975 que a Organização das Nações Unidas (ONU), oficializou o dia 8 de março como o dia Internacional da Mulher.

O que faz desse dia tão importante, não é apenas as histórias que permeiam seu surgimento, mas também, seu objetivo, cuja ideia era conservar, reafirmar e promover em todos os países discussões sobre direitos e igualdade de gênero. Mesmo após várias conquistas políticas e sociais ao redor do mundo, em alguns países mais do que outros, ainda é necessário um dia para seja lembrado que a desigualdade e a submissão das mulheres persistem, principalmente como estrutura.

Apesar do cunho político do dia da mulher, com o passar dos anos, o mercado foi apropriando-se da data transformando-a em um evento comemorativo, na qual a feminilidade é exaltada. O objetivo é dar flores, chocolates e carinho às mulheres, ajudar nas tarefas de casa e depois esquecer das dificuldades enfrentadas por elas durante o resto do ano. O respiro político se dissolveu no delírio do consumo e hoje as discussões sobre gênero são descartadas para segundo plano. É quase uma conivência com a violência sofrida pela mulher diariamente.

Em um país como o Brasil, no qual o relógio da violência marca uma vítima de violência verbal ou física a cada 2 segundos, e cada 1,4 segundo uma vítima de assédio, é fundamental um dia pra que seja reiterado que mulheres possuem direitos, principalmente como o de serem tratadas com respeito e civilidade. Muito do que é considerado direito da mulher ainda deixa a desejar em sua concretude, como a igualdade salarial, a equivalência de oportunidades, a possibilidade fazer escolhas próprias, a oportunidade de restringir-se a uma jornada de trabalho e a certeza de ser a única responsável por si e pelo seu próprio corpo.

Esse dia é um dia para lembrar não só de Simone de Beauvoir, Frida Kahlo, Maria da Penha e das milhares incendiadas pela inquisição, mas também da mãe, da irmã, da amiga, da professora, da psicóloga, das mulheres próximas nas quais nos espelhamos todos os dias, e lembrarmos que elas precisam e sempre precisarão, todos os dias do ano, de direitos, sejam eles para trabalhar, cuidar da casa, representar a e principalmente servir como exemplo, não porque são próximas à nós, mas sim, por que são humanas, como qualquer um.

As mulheres não precisam de seu novo olhar apenas hoje, elas precisam o ano inteiro.

Feliz dia Internacional da Mulher a todas.