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​Como ajudar filhos indisciplinados? Parte I

Muitos pais e cuidadores relatam dificuldades em lidar com filhos indisciplinados, descrevendo comportamentos como birras, agressão, mentiras, uso de palavrões e recusa em obedecer ordens. Dessa falta de adequação, podem surgir diversos sentimentos negativos nos pais e nas crianças, e acarretar problemas que refletem em todo o desenvolvimento da família. Também é comum que esses pais evitem se expor, em companhia dos filhos, a locais públicos, casa de amigos, festas de família e outras situações sociais, temendo que alguma situação embaraçosa ocorra por causa do comportamento da criança. Essa tendência acaba por restringir às possibilidades de interação dos membros da família, e produzir isolamento social.

Nessa série de textos sobre comportamentos infantil, vamos discutir quais fatores produzem e mantêm esses comportamentos de indisciplina, quais as principais indicações para lidar com esse tipo de problema, e qual o papel da psicologia clínica nesses casos. Temos o objetivo de fornecer esclarecimentos iniciais, e auxiliar os pais e cuidadores que estão enfrentando, ou podem vir a enfrentar, esse tipo de situação, e assim ajudar na promoção de uma convivência mais saudável e amorosa entre pais em filhos.

No primeiro texto vamos descrever possíveis fatores que podem contribuir no surgimento desses comportamentos, e compreender quais características da dinâmica familiar e do comportamento dos pais ou cuidadores influenciam na sua manutenção. Considerando o relacionamento entre pais e filhos, podemos pensar em quatro fatores importantes na compreensão da indisciplina infantil. São eles:

a)Falta de supervisão dos pais: que diz respeito aos pais que oferecem pouca ou nenhuma supervisão aos filhos, deixando que estes ajam livremente sem ninguém que monitore seu comportamento e informe quais condutas são boas ou ruins. Essa tendência também permite que a criança se exponha a riscos desnecessários, e fique vulnerável à ação de outras crianças ou de adultos mal-intencionados. O desenvolvimento sem supervisão impede que a criança compreenda os limites do que deve ou não fazer, e dificulta o desenvolvimento de habilidades importantes para o convívio social.

b)Falta de envolvimento dos pais nas atividades dos filhos: a falta de participação dos pais em atividades como estudo, brincadeiras, ou hobbies como esportes ou desenho, dificulta o desenvolvimento do vínculo familiar. Isso, atrelado ao fator anterior de falta de supervisão, desenvolve uma dinâmica em que a única forma que a criança tem para interagir com os pais é por meio da indisciplina, visto que outras formas de interação são normalmente ignoradas. Como exemplo podemos citar a tendência das crianças de inventar e contar histórias, que é uma boa oportunidade para a interação entre pais e filhos, e muitas vezes é ignorada ou punida pelos pais.

c)Formas abusivas de disciplina: são aquelas relacionadas à agressão física, verbal, ameaças ou retirada de direitos fundamentais (alimentação, convívio social, educação escolar, etc). O tema é polêmico, e merece um texto só sobre isso, pois infelizmente muitos pais ainda acham que a violência é uma forma justificável de educar os filhos. Mas na verdade o efeito é o oposto, tratar os filhos com violência, tanto física quanto verbal favorece que eles continuem utilizando da violência para resolver os próprios conflitos. O que os pais estão dizendo quando fazem isso é “quando alguém me incomoda eu uso de violência”, e é de se esperar que as crianças irão utilizar de estratégias semelhantes quando se sentirem incomodadas.

d)Inconsistência na aplicação da disciplina: a inconsistência em relação a regras, acordos e permissões também favorece o aparecimento de comportamentos de indisciplina. Isso ocorre porque a criança não consegue aprender quais são os limites e possibilidades do seu comportamento, porque a reação dos pais e cuidadores é imprevisível, e geralmente dependente do estado de humor destes. Assim, futuras regras terão efeito reduzido, porque na história da criança, desobedecer às regras nem sempre teve uma consequência negativa.

Alguns outros fatores importantes a se considerar são mudanças drásticas na rotina familiar (separação dos pais, mudanças de cidade, etc.), algum familiar com transtorno psiquiátrico (depressão, síndrome do pânico), violência entre os pais ou outras pessoas do seu convívio, na escola ou em outros contextos com crianças da mesma idade (bullying), e comorbidade com transtornos como o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

A importância de observar e reconhecer esses fatores é entender que os problemas de comportamento da criança não surgem “do nada”, e sim são explicados de acordo com as condições nas quais a criança se desenvolve. Isso implica em deixar de procurar o problema diretamente na criança, e passar a olhar para o ambiente na qual ela vive, nas relações entre a crianças e os familiares e cuidadores, e compreender quais destas podem estar produzindo esse tipo de comportamento, para então se pensar no processo de intervenção.

Com base na leitura desse texto, você consegue levantar quais dos fatores citados anteriormente podem explicar o comportamento da criança com a qual você se relaciona? Se sim, quais as pessoas que estão envolvidas nos fatores principais que você conseguiu levantar? Essa pergunta é importante porque, como veremos no próximo texto, a mudança de comportamento nas pessoas que se relacionam com a criança é fundamental, e por vezes é um desafio maior do que a intervenção direta com a própria criança. Considerando isso, no próximo texto falaremos sobre como promover mudanças essenciais no ambiente da criança, e qual a participação dos pais e cuidadores nesse tipo de intervenção!